TERRA E MORADIA
Dossiê Monte Santo- relatora Marenise
Monte Santo, no norte do Estado, vive uma série de conflitos de posse e propriedade da terra envolvendo fundos de pasto, posseiros e pequenos proprietários de um lado, e grandes latifundiários de outro. Há décadas, os trabalhadores têm sido impedidos de ocupar e usar a terra para seu sustento por grandes fazendeiros, que usam diversos métodos para reprimir os trabalhadores, da violência à grilagem.
Além da grilagem de terras e da prática de “pistolagem” pelos fazendeiros, que já foram responsáveis pela morte de oito trabalhadores nos últimos cinco anos, os latifundiários contam também com a cumplicidade da polícia, Ministério Público e Poder Judiciário. Os abusos cometidos pelo sistema de justiça em Monte Santo tomam a forma de concessões irregulares de reintegrações de posse em favor dos fazendeiros, da criminalização das lideranças dos trabalhadores, com prisões arbitrárias de caráter político, e mesmo a participação de policiais na “segurança” dos fazendeiros (“pistolagem’’) e em execuções de trabalhadores.
Caso de Seu Edvaldo (Piritiba) relator (Nivaldo dos Santos Cunha, participante de Piritiba).
Seu Edvaldo era um pequeno proprietário, há aproximadamente trinta anos, no município de Piritiba, quando um grande fazendeiro se apropriou de forma irregular de suas terras, com a participação do governo do Estado, na época do governador Antônio Carlos Magalhães. Seu Edvaldo foi expulso de sua terra, e o fazendeiro conseguiu um documento de propriedade, grilado, através do Estado.
Por ter uma relação de proximidade com o “Carlismo” e com poderosos de sua região, o grileiro sempre conseguiu manter-se na propriedade injustamente tomada do seu verdadeiro proprietário. Na época, o trabalhador entrou com um processo judicial para tentar reaver sua terra. Contudo, em todas as etapas do processo, o Judiciário também se mostrou conivente e cúmplice com a grilagem. O juiz não tomava decisões no processo, os prazos não eram cumpridos e a ação arrastou-se por mais de vinte anos. Nesse período, o processo chegou até a desaparecer do cartório e a todo o momento os servidores do fórum diziam a seu Edvaldo que ele deveria desistir da questão, que ele nunca conseguiria ter a terra de volta, que ele estava mexendo com gente “grande”.
O processo já foi sentenciado, mas até hoje a decisão não foi executada e seu Edvaldo continua sem seu pedaço de terra.
Ocupação Fazenda Casa Nova – relator Elvis CETA – Ruy Barbosa
A Fazenda Casa Nova era uma grande propriedade improdutiva, localizada no município de Ruy Barbosa, e que foi ocupada pelo movimento CETA. A partir da ocupação, a fazenda passou a cumprir sua função social, com as famílias produzindo alimentos e garantindo através da terra seu próprio sustento.
Após a ocupação, o antigo proprietário vendeu a fazenda para outra pessoa, ignorando a existência e as necessidades da ocupação, mesmo após dez anos e com o processo administrativo de desapropriação já sendo conduzido pelo INCRA. O movimento CETA conseguiu fazer um acordo com o novo proprietário, através do qual os ocupantes poderiam continuar a plantar e a colher naquela propriedade.
No entanto, o fazendeiro ignorou o acordo que tinha feito com o movimento, e entrou na justiça contra os trabalhadores. Ele logo obteve uma liminar de reintegração de posse sem qualquer fundamento, com base apenas no apoio do Judiciário aos interesses de qualquer latifundiário. Além disso, de forma totalmente abusiva, o juiz também determinou uma multa de cestas básicas aos trabalhadores. Como eles não tinham e não têm condições de pagar, foram obrigados a prestar “serviços comunitários”, na prática executar trabalhos forçados de forma pública e humilhante. Desde então, o movimento também tem sido perseguido e criminalizado pelo Judiciário, Ministério Público e Polícia.
Quilombo Rio dos Macacos – Simões Filho/Salvador relatora josilene de jesus e ana lúcia oliveira dos santos
O quilombo Rio dos Macacos é uma comunidade tradicional que ocupa um território hoje compreendido na Vila Militar da Marinha, em Inema, Simões Filho (Região Metropolitana de Salvador). A comunidade ocupa esse território há gerações, com quilombolas centenários que já nasceram naquele território. Eles já viviam lá muito antes da chegada da Marinha, e inclusive ajudaram a construir as casas onde hoje moram as famílias dos militares.
Desde a instalação da Vila Militar, a Marinha se recusa a reconhecer o direito da comunidade sobre seu território, submetendo-a a todo tipo de abuso. O acesso dos moradores às suas casas é controlado pela Marinha, e muitas vezes os militares proíbem os quilombolas, sua família e amigos de entrarem na comunidade. A marinha nunca permitiu a instalação de serviços básicos na comunidade – água, luz, escolas, postos de saúde -, fazendo com que a comunidade tenha até hoje que viver em condições precárias.
Quando a comunidade conseguiu a certificação como quilombo, a Marinha aumentou a agressividade contra Rio dos Macacos, entrando com uma ação judicial reivindicatória para expulsá-los do território. O juiz federal, alinhado com os interesses da Marinha, concedeu a liminar determinando a saída da comunidade. O mais grave, no entanto, é que a Defensoria Pública da União perdeu o prazo para recorrer contra a liminar e assumiu uma conduta derrotista, estimulando a comunidade a desistir de seu território. A comunidade continua na área por conta de um acordo de adiamento da remoção que vence em 1º de agosto, pela resistência e apoios que conseguiu reunir na sociedade civil e nos movimentos sociais, mas a ameaça de despejo ainda paira sobre suas cabeças.
MEIO AMBIENTE
Reflorestamento e eucalipto – Eunápolis - não houve relator
Este caso começou na década de 1980 quando a Odebrecht alegou ter comprado uma grande área de terras públicas na região de Eunápolis e passou a ocupá-la. Até hoje não se sabe ao certo como teria se dado essa compra. A Odebrecht desmatou quase totalmente a área e no lugar da vegetação nativa e em parceria com várias empresas, conglomerados estrangeiros e com o Governo da Bahia, começou a plantar eucalipto em larga escala.
Hoje, quatro empresas ocupam uma área total de 800 mil hectares. Uma parcela ínfima (menos de 1%) das terras é dedicada à produção de alimentos, e o restante é ocupado pelo eucalipto. Estas empresas têm avançado de forma agressiva sobre terras de posseiros e comunidades tradicionais, e o uso intensivo de agrotóxicos tem afetado as culturas tradicionais e a própria saúde e vida dos trabalhadores, contaminado a terra e os lençóis freáticos. Estas organizações conseguem obter diversos benefícios e vantagens do governo do Estado, inclusive através de fraudes em licitações e corrupção de autoridades locais. O Ministério Público e o Judiciário local fecham os olhos e deixam sistematicamente de investigar ou julgar qualquer abuso evidente ou denunciado.
Estaleiro do Paraguaçu – Maragojipe
O empreendimento do Estaleiro Naval do Paraguaçu, bancado pelos governos estadual e federal, está afetando a vida de diversas famílias e comunidades da região, mesmo antes da construção ser iniciada. A área onde o estaleiro será construído compreende parte do território tradicional de comunidades pesqueiras, extrativistas e quilombolas, inclusive sobrepondo-se à Reserva Extrativista da Baía do Iguape. Para evitar esta sobreposição, o governo, através de um decreto, alterou de forma unilateral a área da Reserva, removendo o território que coincidiria com a área afetada pelo estaleiro, e compensando essa área perdida com uma parte do território quilombola de São Francisco do Paraguaçu. Em nenhum momento, nem os beneficiários da RESEX nem a comunidade quilombola foram sequer consultados.
O projeto ainda tem várias falhas no licenciamento ambiental, que foram denunciadas inúmeras vezes pela sociedade civil, inclusive nas audiências públicas do processo de licenciamento, e que não foram apuradas ou investigadas pelo Ministério Público. O sistema de justiça, compreendendo Judiciário, Ministério Público e outros órgãos tem se mantido inerte na questão.
Termoelétrica Votorantim – Maragojipe relator - José roberto
A Votorantim opera na região de Maragojipe uma usina termoelétrica que responde por parte da energia que o empreendimento consome. De acordo com as comunidades e movimentos sociais da área, no entanto, a usina opera sem licenciamento ambiental adequado, e os órgãos ambientais que deveriam fazer essa fiscalização, em especial o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Inema do governo estadual, não exigem as licenças necessárias e permitem que a usina continue funcionando irregularmente.
O Ministério Público foi acionado pela sociedade, através de denúncias, mas além de não requerer as licenças ao Estado não tomou qualquer atitude, mesmo quando o Estado informou que não poderia entregar estas licenças ao MP.
CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Tupinambás da Serra do Padeiro – Ilhéus - relatora índia Fernanda e e Nicolau
O território tradicional dos indígenas tupinambás em Ilhéus, na região da Serra do Padeiro, é alvo a muito tempo de fazendeiros que alegam serem donos daquelas terras. O conflito já ocorre há várias décadas, inclusive com liminares de reintegração de posse contra os indígenas.
Estas liminares são utilizadas cotidianamente pela Polícia Federal para promover ações de abuso e violência contra os indígenas. Em diversas ocasiões, a polícia entrou no território deles de forma extremamente violenta, atirando contra eles em mais de uma ocasião. Há relatos de tortura (aplicação de choques elétricos) e espancamento nessas ações. Em diferentes momentos, várias lideranças tupinambás foram presas mesmo fora dessas ações, com justificativas frágeis ou inexistentes, claramente como represália à resistência que os indígenas travam em seu território. Nenhuma das denúncias dos Tupinambás consegue ser investigada, mas todo tipo de denúncia fantasiosa é usada como pretexto pela Polícia Federal para invadir o território.
Criminalização de lideranças quilombolas – Cachoeira e São Félix - relator demervaldo dos santos
Várias lideranças de comunidades quilombolas das cidades de Cachoeira e São Félix, no Recôncavo, têm sido alvo de ações do Ministério Público, do Judiciário e da polícia de forma indiscriminada e injustificada, especialmente de São Francisco do Paraguaçu e Santiago do Iguape. As lideranças, e mesmo moradores dos quilombos que não estão em evidência na luta são em todo momento chamadas em delegacias e no Ministério Público para responder a denúncias.
As autoridades que interrogam os quilombolas, seja em delegacias ou no Ministério Público, são extremamente desrespeitosas em sua conduta, e se recusam a prestar informações aos trabalhadores. Muitas vezes, eles são submetidos a interrogatórios ou a prestar esclarecimentos sem ao menos saber se há alguma investigação em curso ou pelo que eles estariam sendo investigados. Segundo as comunidades, é difícil que se passem mesmo algumas semanas sem que alguém não seja intimado para comparecer a uma delegacia. Ao mesmo tempo, a polícia se recusa sistematicamente a dar seguimento a denúncias e queixas promovidas pela comunidade, algumas vezes nem mesmo registrando o que a comunidade tem a dizer.
DIREITOS HUMANOS
Quilombo Projeto de Assentamento D. Helder – Ilhéus - relatora Bernadete
O Quilombo Projeto de Assentamento D. Helder, comunidade tradicional quilombola e negra, em Ilhéus, foi alvo de abusos cometidos pela Polícia Militar da Bahia em 2010. A polícia invadiu a comunidade, a sede da associação comunitária, supostamente procurando um traficante de drogas que teria se escondido no local, desrespeitando todos os trabalhadores que lá se encontravam.
A líder e questionou a polícia sobre a invasão, e como resposta foi agredida pelos policiais, mesmo enquanto incorporava uma entidade religiosa ancestral. A yalorixá foi agredida fisicamente, arrastada pelos policiais e jogada em cima de um formigueiro, enquanto eram dirigidas ofensas contra ela, principalmente pelo fato de ser negra, quilombola e adepta do candomblé.
O caso foi denunciado à Corregedoria da PM, que tratou a queixa com desdém e agressividade contra a comunidade. O processo se arrasta e hoje depende de uma ação do Ministério Público, que se recusa a agir com base na denúncia. Caso o MP não leve a questão ao judiciário até o próximo dia 23 de outubro, os crimes cometidos pelos policiais prescreverão e nenhum abuso será punido ou compensado.
Abusos contra dr. Herber – Iaçu - nao houve relator
Dr. Herber é advogado, ligado a sindicatos e movimentos sociais da região da Chapada e que já atuou várias vezes na defesa de trabalhadores, quando necessário. Ele defendia uma trabalhadora que esperava a liberação de um benefício financeiro de seu marido, falecido, em um processo que já se arrastava por vários anos.
Ao diligenciar o processo no fórum de Iaçu, sofreu desrespeito do juiz da comarca, que gritou com ele e sua cliente. Em resposta, ele usou o mesmo tom de voz com o juiz, e foi preso no mesmo momento, acusado de desacato à autoridade. Foi condenado em primeira e segunda instância, mesmo com diversos vícios no processo, sendo impedido de exercer plenamente seu direito de defesa. O processo aguarda julgamento de um recurso no Superior Tribunal de Justiça.
Além disso, o juiz de Iaçu e outros juízes da região recusam-se a julgar qualquer causa em que ele atue como advogado. Com esta ação conjunta e abusiva de juízes contra ele, está impedido de advogar em qualquer cidade próxima à sua.
caso almerinda batista - relator alexSindicato dos Trabalhadores do Comércio de Santo Antônio de Jesus
Uma trabalhadora de uma das maiores redes comerciais de Santo Antônio de Jesus foi agredida pelo seu chefe em seu local de trabalho e foi demitida sumariamente logo em seguida. O próprio empregador intimidou-a para que se conformasse com a demissão e não procurasse o Sindicato ou entrasse com processo judicial.
Mesmo sob estas ameaças, a trabalhadora entrou em contato com seu Sindicato e ingressou com uma reclamação trabalhista contra a loja, pedindo indenização pelas agressões sofridas, e o Sindicato começou a denunciar publicamente o caso. Imediatamente, o antigo patrão entrou com uma ação contra a trabalhadora e os dirigentes do Sindicato, acusando-os criminalmente de calúnia e difamação e pedindo que o Judiciário proibisse os processos de denúncia. A Juíza que avaliou o caso concedeu este pedido por meio de uma liminar, e o Sindicato e a trabalhadora encontram-se sob censura em Santo Antônio de Jesus, não podendo fazer qualquer declaração pública sobre o caso sob pena de receberem uma multa que não têm condição de pagar. Além disso, a Juíza também se diz vítima de difamação pelo Sindicato e tem perseguido suas lideranças, negando efetivamente seus direitos de liberdade de expressão e associação.
Movimento 11 de dezembro – Santo Antônio de Jesus- relatores Dolores e manoel
Em 11 de dezembro de 1998, uma explosão em uma fábrica de fogos em Santo Antônio de Jesus matou 64 pessoas, inclusive crianças e idosos, que trabalhavam em condições precárias e clandestinas, sem direitos trabalhistas e principalmente sem qualquer segurança.
O proprietário da fábrica e os demais acusados só foram levados a julgamento e condenados no ano de 2010, depois de grande pressão do Movimento 11 de dezembro, de outras entidades da sociedade civil organizada e mesmo da comunidade internacional. Mesmo com a condenação, no entanto, os culpados continuam livres. O proprietário continua desenvolvendo a atividade de confecção de fogos na cidade, nas mesmas condições de insegurança, precariedade e exploração do trabalho que levaram à explosão de 1998, e o sistema de justiça age como se nada estivesse acontecendo. Nenhuma denúncia contra os responsáveis é levada adiante, seja pelo Ministério Público, seja pela polícia, seja pelo Judiciário, devido às conexões que essas pessoas têm com as estruturas locais de poder político e econômico.
Fonte: Ascom APP.