A delegação
brasileira ao encontro internacional Economy of Francesco, de 22 a 24 de
setembro, em Assis, contará com um grupo de ativistas negros cujo objetivo é
enfatizar a importância de debater questões raciais associadas a potenciais
transformações econômicas. Vinculados à Educafro, organização não governamental
que trabalha pela inclusão de afro-brasileiros no ensino superior, os delegados
entregarão uma carta ao Papa Francisco sobre as dificuldades que os negros
enfrentam no Brasil e pedindo que ele tome medidas para lidar com a situação .
“O Papa Francisco tem uma voz profética. Ao demonstrar compromisso com a luta
do povo afro-brasileiro, certamente impactará instituições, governo e
sociedade”, explicou o padre franciscano David Santos, fundador da Educafro. O
documento lembra que todas as economias latino-americanas se basearam na mão de
obra africana durante séculos na época colonial e que a igreja fez parte desse
processo, já que a maioria das congregações religiosas no Brasil e em outros
lugares possuíam plantações de escravos. Desde a abolição da escravatura em
1888, continua a carta, os negros tornaram-se mão-de-obra barata e a
disparidade económica com os brancos é significativa. “Infelizmente, a igreja
brasileira não mudou muito desde os tempos coloniais na forma como trata os
afro-brasileiros. É uma instituição eminentemente racista e precisa ser ajudada
para assumir uma postura mais responsável em relação aos negros”, disse Santos.
A carta ao pontífice aponta que as escolas católicas, que são as mais numerosas
entre as escolas particulares do Brasil, têm uma baixa proporção de alunos
negros: não mais de 5% – enquanto os negros representam 56,2% da população. O
padre disse que isso é algo que reforça a ideia de que “a igreja é uma das
principais forças por trás do racismo sistêmico” na nação sul-americana. A
Educafro pedirá ao Papa Francisco que chame a atenção de todos os bispos e
cardeais do Brasil para a importância de tomar medidas de reparação, incluindo
garantir que pelo menos 30% dos alunos em todas as escolas e universidades
católicas sejam negros. A ONG também solicitará que o papa ajude a igreja
brasileira a “refletir e se converter revisando práticas seculares que levaram
ao racismo sistêmico”, como a tradição de enviar a maioria dos padres negros
para paróquias pobres e nomear poucos bispos negros. A organização também
pedirá ao papa que envie uma carta a todos os candidatos presidenciais
brasileiros – as eleições serão no dia 2 de outubro – solicitando que incluam
em suas plataformas políticas políticas afirmativas contra o racismo e a pobreza,
e para prevenir a perseguição, violência e o assassinato de políticos negros no
país. A carta destaca os casos de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro
morta a tiros em 2018, e Renato Freitas, vereador de Curitiba cujo mandato foi
cassado em agosto. No início deste ano, Freitas participou de uma manifestação
contra o racismo que acabou dentro de uma igreja em Curitiba. Originalmente
construída por escravos e libertos africanos que faziam parte de uma
fraternidade negra católica, a igreja é um tradicional ponto de encontro de
ativistas afro-brasileiros na cidade. O protesto dentro da igreja logo após uma
missa provocou críticas em todo o país. A Arquidiocese de Curitiba divulgou
inicialmente um comunicado repudiando a manifestação. Mas depois que o caso
levou a um processo de impeachment contra Freitas, a igreja ficou do lado dele,
pedindo a seus colegas que não revogassem seu mandato. No final, ele foi
cassado e afastado do cargo. Com o mandato perdido e impedido de concorrer,
Freitas é um dos integrantes da delegação brasileira ao evento Economia de
Francesco. “Não há proatividade da igreja no enfrentamento ao racismo
sistêmico, e o caso de Freitas é um bom exemplo disso”, disse Samuel Emílio,
ativista negro e ex-coordenador da Educafro. “Esperávamos que a igreja
mobilizasse muito a sociedade para reagir à perseguição política contra
Freitas, mas isso nunca aconteceu”, acrescentou. Emílio observou que o debate
sobre questões raciais é secundário na programação do evento Economia de
Francesco. “Essas questões devem ser promovidas pela igreja com prioridade.
Precisamos de mais coragem da Igreja para combater a desigualdade racial”,
disse ele. Dione de Assis, formada em direito com bolsa da Educafro e
especialista em economia, disse que a construção de uma economia mais inclusiva
depende do debate das questões raciais. “As pessoas de outros países que
participarão do evento parecem estar mais focadas nas questões ambientais e de
gênero. Acho que cabe a nós do Brasil dar ênfase ao tema racial para propor uma
nova economia realmente transformadora”, disse de Assis ao Crux. Ela disse que
este é um bom momento para discutir uma economia mais humana, já que “a maioria
das empresas está refletindo e implementando políticas socialmente responsáveis
como parte da agenda ESG”. “No setor privado, as questões raciais vêm
avançando como parte do movimento ESG. Queremos refletir coletivamente sobre
esses assuntos no evento e depois trazer esse conhecimento de volta para a
igreja brasileira, pensando em formas de incentivar nesse sentido”, disse de
Assis. Santos disse que agora é hora de uma mudança na igreja. “A igreja
precisa mudar sua mentalidade e respeitar os católicos afro-brasileiros antes
que todos eles decidam migrar para igrejas evangélicas, onde se sentem mais à
vontade e veem a possibilidade de se tornarem líderes”, disse o padre.
fonte:https://cruxnow.com/church-in-the-americas/2022/09/afro-brazilians-say-race-needs-to-be-addressed-by-pope-at-economy-of-francesco